Criamos ilustrações a partir de técnicas artísticas, mesclando processos criativos manuais e digitais.
Aqui você encontrará ilustrações para contos, poemas, prosas, músicas e outros lugares por onde a palavra e a imagem se colocam como ativadoras de mundos possíveis, dilatadoras de tempos, imaginários e sensibilidades. Alguns trabalhos foram publicados e outros foram criados sem fins comerciais.
Ilustrações para o conto Tentação
O conto narra o encontro entre uma menina ruiva e um cão a passeio. A partir desse encontro furtuito e inesperado, somos convidados a experenciar os afetos despertados por essa paixão que aflora e se esvai, com a mesma rapidez que surge, entre os olhares de dois desconhecidos, uma criança e um Basset.
Clarice Lispector
Clarice Lispector (Chechelnyk, Ucrânia, 1920 – Rio de Janeiro, 1977). Romancista, contista, cronista, tradutora, jornalista. É autora de contos e romances de temática existencial e psicológica, em que o centro narrativo está na investigação do mundo interior dos personagens e, em especial, o das figuras femininas, com poucas ações exteriores e enredo reduzido ao mínimo.
Nascida em uma aldeia ucraniana, imigra com a família para o Brasil em 1926, instalando-se em Maceió. Em 1929, vive com os pais no Recife, de onde a família se muda em 1935, após a morte da mãe, seguindo para o Rio de Janeiro.
Materiais utilizados: Aquarela, acrílica, pastel oleoso, grafite, lápis de cor e pintura digital.
Ilustrações para o conto Tentação
Texto de Clarice Lispector
Ela estava com soluço. E como se não bastasse a claridade das duas horas, ela era ruiva. Na rua vazia as pedras vibravam de calor a cabeça da menina flamejava. Sentada nos degraus de sua casa, ela suportava. Ninguém na rua, só uma pessoa esperando inutilmente no ponto do bonde. E como se não bastasse seu olhar submisso e paciente, o soluço a interrompia de momento a momento, abalando o queixo que se apoiava conformado na mão. Que fazer de uma menina ruiva com soluço? Olhamo-nos sem palavras, desalento contra desalento. Na rua deserta nenhum sinal de bonde. Numa terra de morenos, ser ruivo era uma revolta involuntária. Que importava se num dia futuro sua marca ia fazê-la erguer insolente uma cabeça de mulher? Por enquanto ela estava sentada num degrau faiscante da porta, às duas horas. O que a salvava era uma bolsa velha de senhora, com alça partida. Segurava-a com um amor conjugal já habituado, apertando-a contra os joelhos. Foi quando se aproximou a sua outra metade neste mundo, um irmão em Grajaú. A possibilidade de comunicação surgiu no ângulo quente da esquina, acompanhando uma senhora, e encarnada na figura de um cão. Era um basset lindo e miserável, doce sob a sua fatalidade. Era um basset ruivo. Lá vinha ele trotando, à frente de sua dona, arrastando seu comprimento. Desprevenido, acostumado, cachorro. A menina abriu os olhos pasmada. Suavemente avisado, o cachorro estacou diante dela. Sua língua vibrava. Ambos se olhavam. Entre tantos seres que estão prontos para se tornarem donos de outro ser, lá estava a menina que viera ao mundo para ter aquele cachorro. Ele fremia suavemente, sem latir. Ela olhava-o sob os cabelos, fascinada, séria. Quanto tempo se passava? Um grande soluço sacudiu-a desafinado. Ele nem sequer tremeu. Também ela passou por cima do soluço e continuou a fitá-lo. Os pêlos de ambos eram curtos, vermelhos. Que foi que se disseram? Não se sabe. Sabe-se apenas que se comunicaram rapidamente, pois não havia tempo. Sabe-se também que sem falar eles se pediam. Pediam-se com urgência, com encabulamento, surpreendidos. No meio de tanta vaga impossibilidade e de tanto sol, ali estava a solução para a criança vermelha. E no meio de tantas ruas a serem trotadas, de tantos cães maiores, de tantos esgotos secos lá estava uma menina, como se fora carne de sua ruiva carne. Eles se fitavam profundos, entregues, ausentes de Grajaú. Mais um instante e o suspenso sonho se quebraria, cedendo talvez à gravidade com que se pediam. Mas ambos eram comprometidos. Ela com sua infância impossível, o centro da inocência que só se abriria quando ela fosse uma mulher. Ele, com sua natureza aprisionada. A dona esperava impaciente sob o guarda-sol. O basset ruivo afinal despregou-se da menina e saiu sonâmbulo. Ela ficou espantada, com o acontecimento nas mãos, numa mudez que nem pai nem mãe compreenderiam. Acompanhou-o com olhos pretos que mal acreditavam, debruçada sobre a bolsa e os joelhos, até vê-lo dobrar a outra esquina. Mas ele foi mais forte que ela. Nem uma só vez olhou para trás.
Ilustrações de Moda
A série de ilustrações a seguir foi feita inteiramente de modo manual e sem intervenções digitais. Para sua pintura foi utilizado guache, nanquim, lápis crayon e café solúvel. As regiões de luz do fundo da pintura foram obtidas com a adição de água ao se subtrair a base de café.